Por Aline Souza
Para alguns, os problemas na universidade começam antes mesmo de
estar nela. A tensão de passar no vestibular, de não “fracassar”, de agradar aos
pais e à família, muitas vezes pode gerar uma cobrança excessiva em torno de
si, levando o indivíduo a desenvolver um quadro de estresse crônico que, em
alguns casos, pode chegar à depressão.
Preocupado em passar no vestibular e receoso quanto à educação que
recebeu, ele passou a estudar a maior parte do tempo; quando não estava no
curso pré-vestibular, estudava em casa, quase que ininterruptamente, já que não
tinha nenhuma outra ocupação, além dos estudos. “Ele estudava muito, muito
mesmo. Não tinha horário para descanso nem para o lazer. Então, ele começou a
ficar mais afobado, falando coisas sem nexo e completamente sem noção de espaço.
Só após meses notamos esse comportamento nele, um comportamento que só foi se
agravando. No decorrer de uma semana, já com esse quadro de comportamentos
estranhos, ele surtou”, conta Karla Santos, 24, técnica de enfermagem, a experiência
vivida por um amigo de infância.
Segundo Karla, os sintomas apresentados após o surto eram relatos
de perseguição e de ilusão: “Ele dizia que tinha um helicóptero que vinha
buscá-lo. Você tá ouvindo um barulho de helicóptero? Tá descendo! Ele falava
que tinha pessoas olhando pra ele, quando na verdade, só havia conhecidos e
amigos. Certa vez ele estava comigo em casa e começou a falar de várias coisas
ao mesmo tempo, de política, de religião, tudo sem o menor sentido. Às vezes a
gente levava na brincadeira, querendo acreditar que era brincadeira, porque ele
sempre foi muito brincalhão, mas nós sabíamos que ele estava doente. Só que é
muito difícil pra um amigo chegar a uma mãe e dizer: olhe, seu filho está
assim, assim... a gente não tinha essa coragem”.
Quando a família veio perceber, ele
já estava desesperado, não tinha mais controle. “Saía correndo de casa, parava o
trânsito, correndo o risco de ser atropelado, sem saber onde estava. Foi aí que
a mãe decidiu interná-lo”. Segundo a amiga, ele ficou internado por uma semana,
tomando medicamentos controlados e foi diagnosticado com esquizofrenia. Muito embora
ele não tenha nenhum histórico de igual natureza ou algo parecido.
Agora,
já passado esse transtorno, ele conseguiu seus objetivos, passou em dois
vestibulares e dois concursos. Vive como uma pessoa normal com a medicação, sem
a medicação ele corre o risco de surtar novamente. “Hoje ele está trabalhando
em um dos concursos que passou e está no quarto período de Direito. Tem uma
vida social, trabalha, estuda, viaja, se diverte. E de lá pra cá, nunca teve
uma recaída. Ele se preserva muito, não se expõe a situações de muita tensão,
que lhe possa apresentar riscos. A família e nós amigos temos toda essa
preocupação, mas sem que ele perceba, pra não parecer uma superproteção. A gente
quer que ele se torne uma pessoa ainda mais independente. Que ele perceba que
aquela doença não tirou sua independência. E ele não deixou de ter os seus
amigos”, concluiu Karla.
Em um estudo intitulado “Estresse e
estressores na pós-graduação:
estudo com mestrandos e doutorandos no Brasil”, realizado por André Faro, professor
do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, o estresse é
definido como um fenômeno psicossocial com repercussão biológica, que ocorre
quando há a percepção de ameaça real ou imaginada, avaliada como capaz de
alterar o estado de bem-estar subjetivo, provocando sensações de mal-estar,
sofrimento e/ou desconforto transitório ou persistente. Ainda de acordo com o
professor, além de impactar negativamente a saúde, o estresse prejudica o
desempenho do estudante e pode levar ao desestímulo em relação à carreira
acadêmica.
Foi o que aconteceu com um aluno de 22
anos da UFS, que prefere não se identificar. Para ele o estresse e desconforto
foram provocados desde que percebeu que não “se encontrava” no curso. Para ele,
de modo geral, as pessoas passam no vestibular sem saber como vai ser o curso,
mas à medida que o tempo vai passando, os alunos vão se identificando e quando
isso não acontece, tem coragem para assumir. No seu caso, ele relata que não
possuía expectativas em relação ao curso e que no primeiro período se sentia
muito bem. Porém, a partir do segundo período, quando começaram as disciplinas
práticas, elas o incomodavam de algum modo, justamente por ele ter que lidar com
a instabilidade que essas disciplinas representavam. "Foi a partir do segundo
período que comecei a perceber que não me encaixava no curso, pelo menos numa
parte dele. Mas não tive coragem de assumir, de trancar o curso, por exemplo, e
repensar no que de fato queria. Encontrei no trabalho minha válvula de escape.
Tranquei assim, as disciplinas práticas, usei o trabalho como desculpa. Eu sabia
que do jeito que eu estava e como me sentia, essas disciplinas não iriam me
fazer bem”, relata.
Embora se sentisse angustiado, ele
continuou no curso. Até que chegou o momento de fazer o TCC e todas essas
questões vieram à tona de uma só vez. Diante disso, ele chegou a desistir, mas
voltou atrás em sua decisão. Agora segue fazendo o TCC e não pensa mais em
desistir.
Segundo André Faro, alguns fatores que
contribuem para um possível quadro de estresse e depressão é a cobrança excessiva, paralelamente com o aumento no nível de
exigências em relação ao aluno e o baixo senso de autoeficácia. O estudante está sempre na busca do bom
desempenho, por ser cobrado constantemente, seja pelos professores ou colegas
em sala de aula, seja pela cobrança que faz sobre si mesmo. Para Faro, a percepção
de eficácia depende do quanto ele se acha capaz de realizar aquilo que ele
pretende. “Muitas das vezes a dificuldade de adaptação é por ter uma visão
discrepante da realidade. Por exemplo, há muita exigência por meio de leitura,
talvez o nível e limite que essa pessoa tem, às vezes são muito baixos. Não é
que seja excesso de exigência, mas às vezes, o nível de adaptação é muito
frágil, que qualquer coisa ultrapassa ele”.
Para o psicólogo, a universidade é um meio favorável por lidar, em
geral com indivíduo em fase de transição, onde eles saem, mais claramente, da
adolescência para idade adulta. Em alguns casos, muitos deles ainda têm um
comportamento infantil até entrar na universidade onde passam por um
amadurecimento constante. “Até o ano passado muitos deles ainda estava
estudando sete dias por semana, o dia todo em pré - vestibular e de repente cai
na universidade, saindo de um universo quase infantil para um universo adulto.
É um contexto que sobrecarrega”. Chegando à universidade o estudante tem de
lidar quase sempre com conteúdos e situações nunca vivenciadas. Alguns
simplesmente não conseguem desenvolver algumas competências e por diversas
vezes acabam se frustrando. “O meio acadêmico não exige de você somente os
conhecimentos específicos bem desenvolvidos, mas dentro da universidade se
desafia mais a habilidade sócio emocional dos alunos; regulação emocional,
capacidade de manter relacionamentos saudáveis e produtivos. Então, muitos não
desenvolveram essas competências ao longo da vida e na universidade isso se torna
mais evidente”.
Ainda de acordo com Faro, rebaixamento do humor, choro fácil,
isolamento social e agressividade são alguns dos sinais que antecedem a
depressão. Mas, ele adverte que
é necessário um diagnóstico clínico para que esses sintomas sejam categorizados
como um quadro de depressão. “Nós temos a tríade da depressão, que
envolve o baixo senso de autoeficácia, a falta de perspectiva em relação a si,
os outros e ao próprio futuro”. O meio acadêmico é permeado por muita vaidade o
que pode inibir o indivíduo a procurar ajuda, pois isso pode ser interpretado
como um sinal de fraqueza. Ou, em alguns casos, a própria instituição não tem
uma estrutura que acolha aqueles que precisam desse tipo de atendimento. “Na
UFS tem esse serviço no Núcleo de atendimento que é coordenado por um psicólogo,
mas poucos sabem que temos esse serviço aqui”, acrescenta André.
Estresse na Pós-Graduação
Um estudo feito por André Faro, sobre
estresse e estressores na pós- graduação teve sua maioria, composta pelo sexo
feminino, o que salienta o crescimento no número de mulheres tituladas no
Brasil. O estudo revela que os pós-graduandos não possuíam filhos, embora
mantivessem relacionamentos conjugais estáveis e possuíam uma média de 28 anos. A maioria dos
participantes do Sul e Sudeste exibiu uma média de 29,1 de estresse, um valor
acima do esperado, numa escala que vai de 28 a 56. O valor de 29,1 se situa no estrato médio da
escala, mas, bem próximo ao estrato considerado alto (entre 31 e 36 pontos). As mulheres exibiram maior estresse em
comparação aos homens, o que pode ser incrementado pela sobreposição de outras
demandas sociais que são designadas às mulheres, que, por fim, tendem a
sobrecarregar sua capacidade adaptativa. A relação vista para a renda foi que
quanto menor, maior o índice de estresse.
O estudo contou com 2.157 pós-graduandos no Brasil,
entre mestrandos e doutorandos de 66 instituições, de mais de 100 programas de
pós-graduação, com exceção de participantes do Piauí e Roraima. Foram 39
vinculados a universidades federais, 15 estaduais, 9 privadas e 3 institutos de
pesquisa. Contou-se com representantes de todas as áreas do conhecimento da
CAPES (Ciências Agrárias, Biológicas, da Saúde, Exatas e da Terra, Humanas,
Sociais Aplicadas, Engenharias, e Linguística, Letras e Artes).
Ainda não se tem dados da quantidade
de casos, mas nota-se uma maior visibilidade do assunto. Hoje já se tem um
estudo com diagnóstico. Segundo Faro, a atenção ao assunto ainda é pouca,
carece de pesquisa-diagnóstico, bem como do acompanhamento dessas pessoas.
Mesmo sendo diagnosticado, pouco se acompanha. Faltam pesquisadores da
temática. “Não tem tantos pesquisadores qualificados quanto se imagina. Muito
se fala, mas pouco se pesquisa, efetivamente. Só é possível desenvolver um
trabalho preventivo ou paliativo se tivéssemos a ideia da incidência. São
pesquisas relativamente baratas, mas que demandam recursos” conclui o
pesquisador.
http://www.enago.com.br/blog/em-que-casos-abandonar-a-pos-graduacao-pode-ser-uma-boa-ideia/
ResponderExcluirhttp://www.cartacapital.com.br/sociedade/precisamos-falar-sobre-a-vaidade-na-vida-academica
http://verdadedoutoradocientista.blogspot.com.br/
http://vejasp.abril.com.br/blogs/terapia/2015/12/10/depressao-estudos-pos-graduacao/
https://posgraduacaosite.wordpress.com/2016/02/20/um-exercito-de-doutores-desempregados/
http://cienciabrasil.blogspot.com.br/2011/08/faca-aqui-sua-denuncia-fraudes.html?spref=bl
Os comentários de um tal de Daniel para esse texto a seguir são importantes:
http://posgraduando.com/nao-consegui-passar-em-um-concurso-sou-um-fracassado/
obrigada pelo interesse!
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