terça-feira, 15 de março de 2016

Dever de casa: os educadores estão sendo preparados para enfrentar o bullying?

Por Ronaldo Gomes


Alizete dos Santos tem 30 anos e há 6 saiu da universidade com o diploma de licenciatura em geografia. A recém-formada professora já havia adquirido bagagem pedagógica durante seu percurso acadêmico, mas nada que pudesse prepara-la para o que enfrentaria dentro das salas de aula. A distância entre a teoria aprendida e as práticas de ensino não poderiam deixa-la mais frustrada. “Eu tive um impacto no primeiro ano; deu vontade de jogar tudo para cima”, conta.

A educadora vivencia diariamente a realidade da educação pública brasileira. Quando pisou pela primeira vez em uma sala de aula não imaginou que os recursos pedagógicos seriam um fator que a impediria de aplicar tudo o que aprendeu ao longo do curso. “Uma das escolas em que trabalho não tem nem mapa, então eu tenho que levar os meus”, declara. Mas os inúmeros obstáculos não a impediram de seguir a carreira de educadora. Mesmo que o primeiro ano tenha sido frustrante, os inúmeros alunos que passaram pela sua sala de aula a gratificam.

Alizete conhece inúmeros perfis de alunos. Já trabalhou com alfabetização de jovens e adultos através do programa Mova Brasil, do Instituto Paulo Freire; com cursos de pré-vestibular e hoje dá aula para alunos do 6º ano do ensino fundamental e para jovens no ensino médio. Foi dentro dessa realidade que ela encontrou mais uma dificuldade enfrentada por inúmeros educadores em todo o país: o bullying.

O bullying é a violência física ou psicológica intencional e repetitiva, que um indivíduo ou grupo pratica, causando constrangimento e dor em outra pessoa. A definição do termo ganha contornos físicos e agressivos dentro das escolas e como muitos educadores, Alizete não foi preparada para lidar com a situação.

Ela passou anos sendo preparada para repassar o conteúdo para seus alunos, mas poucas foram as vezes em que as disciplinas ensinaram a enfrentar situações como a violência dentro da sala. “Eventualmente a gente toca [no assunto bullying] mas eu acho que não é suficiente”, diz. “Não tem muitos exemplos de como trabalhar quando me deparo com determinadas situações, seja de racismo, seja porque é gordo ou homossexual”.

O pouco preparado deixa Alizete apreensiva quanto a maneira de agir diante de situações como o bullying. Ela diz que apesar de não ter habilidades profissionais para lidar com a violência que vê dentro da sala de aula, tenta conversar com o agressor em particular para saber os motivos que o fizeram agredir o colega. As respostas são sempre as mesmas: força do hábito ou falou sem pensar.

Ao falar sem pensar esses agressores expõe a vítima a uma situação de constrangimento que revolta Alizete. A educadora, que já sofreu bullying quando mais nova, se coloca como pessoa do caso e tenta contemporizar a situação exaltando habilidade do aluno agredido. “Eu procuro valorizar ainda mais [a vítima]: olha que legal, que ideia bacana, socialize aqui com a turma. Tento estimular aquela pessoa a levantar a autoestima e independente de outros valores que as pessoas pensam em julgar, ela tem um valor e algo a contribuir na sala”, declara.

Os métodos vêm tendo reflexos positivos. A educadora diz que apesar de ter limitações quando se depara com algumas realidades, o bullying tem cada vez mais diminuído nos seus horários de aula.
Mas a agressão está longe de ser um problema de fácil resolução. As táticas que Alizete encontrou para contornar o problema estão bem longe de resolvê-lo completamente. A educadora aponta possíveis soluções para aniquilá-lo, como a contratação de psicólogos e assistentes sociais, mas reconhece que de fato, o bullying é um problema que precisa de mais atenção do que se dá.

Os alunos que são vítimas da violência tendem a se retrair. Essa é mais uma coisa que, não fosse a experiência de sala, Alizete não teria aprendido na universidade. Ela precisa praticar diariamente o que não aprendeu no curso de licenciatura: observar os alunos e tentar entender como é o comportamento, tanto do agredido, quanto do agressor.

Daiany tem 22 anos, estuda licenciatura em geografia e é cheia de sonhos. A jovem se prepara para fazer parte dos mais de dois milhões de educadores que existe no Brasil. É animada, faz o curso que gosta e apesar de ainda estar na universidade já entrou em uma sala de aula como estagiária. Assim como Alizete, Daiany percebeu que as coisas são bem diferentes quando de fato você começa a tralhar com a realidade diária da educação.

Ela não presenciou nenhuma situação de bullying no período de estágio, mas sabe que isso é um dos muitos problemas que enfrentará durante sua carreira de professora, e demonstra certo medo quanto a maneira de agir quando a hora chegar. Daiany não se sente preparada para apaziguar uma situação que envolva agressão, seja física ou psicológica, entre os alunos. A estudante revela que a universidade não tem suporte e não prepara os futuros profissionais da educação para lidar com situações problemas que podem acontecer.

Alizete protagoniza diariamente a realidade educacional do país, Daiany ainda não. Alizete já se deparou com o bullying, Daiany tem medo de quando chegar a hora de enfrenta-lo. As duas têm em comum, além da formação, o desejo insaciável de mudar a educação no Brasil, mas a violência é ainda um dos muitos obstáculos que elas enfrentarão para tornar o país um modelo a ser seguido.

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