Outro dia
estava profundamente entediada e decidi ir ao teatro sozinha. Era uma peça até
interessante, sobre uma mulher que fazia alguma coisa curiosa, pioneira, algo
do tipo. Pelo menos foi o que eu consegui deduzir pelo cartaz.
Sentei no
terceiro banco da quarta fileira e, em mais de metade da peça, a mulher, que
estampava o cartaz e deveria estar em evidência, estava esquecida num canto.
Aquilo me intrigou. O espetáculo acabou, as cortinas se fecharam e eu fui
embora insatisfeita. “Por que raios
colocar alguém que não o personagem principal no cartaz de divulgação?”
Porque ela era linda. Porque ela era um pedaço de carne a atrair quem quer que
fosse.
Não dormi
naquela noite, esses questionamentos me vinham acompanhados de uma atividade
cerebral tão grande que não me deixava pregar os olhos. Andei de um lado a
outro a noite toda, incomodada porque a mesma coisa acontece na sociedade.
O homem sempre
toma o papel de protagonista e mesmo em sua história, a mulher interpreta uma
reles coadjuvante. Enquanto ele sai, ela tem que cuidar dos estudos. Enquanto
ele se deita no sofá cercado de cerveja e salgadinhos, ela precisa deixar a
casa “um brinco”. Enquanto ele vai à pelada, ela precisa ficar em casa e estar
pronta para servi-lo quando ele voltar. Enquanto ele se especializa por cinco
anos, ela precisaria de dez para tentar ganhar o mesmo que ele.
Ela, desde
pequena, tinha um roteiro pronto a seguir e não poderia simplesmente tomar as
rédeas da própria história. Claro que não, seria imoral! Que seria dela sem um
homem? Sem seus filhos e sua casa? Mesmo que fosse médica e descobrisse a cura
para as mais infames mazelas, que valeria de seu ventre se não tivesse gerado
uma vida? Ainda que fosse juíza e julgasse o mais pervertido dos criminosos,
que seria de seus seios se não estivessem prontos a satisfazerem o macho que a
aguardava em casa?
Meus
pensamentos foram subitamente interrompidos pelo baque surdo de um livro
caindo. Era Fifi. Fifi é uma gatinha independente, eu a tenho desde que me
mudei para esse apartamento, há cerca de dois anos. Manhosa como só ela, tem
uma personalidade forte, concisa, sai quando quer, desbrava a vizinhança, mas
sempre volta. Fifi me ensinou que não preciso prender ninguém por quem tenho
apreço para que essa pessoa permaneça comigo, pelo contrário.
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