segunda-feira, 14 de março de 2016

Lições de Fifi

Por: Ivana Oliveira


Outro dia estava profundamente entediada e decidi ir ao teatro sozinha. Era uma peça até interessante, sobre uma mulher que fazia alguma coisa curiosa, pioneira, algo do tipo. Pelo menos foi o que eu consegui deduzir pelo cartaz.  
Sentei no terceiro banco da quarta fileira e, em mais de metade da peça, a mulher, que estampava o cartaz e deveria estar em evidência, estava esquecida num canto. Aquilo me intrigou. O espetáculo acabou, as cortinas se fecharam e eu fui embora insatisfeita. “Por que raios colocar alguém que não o personagem principal no cartaz de divulgação?” Porque ela era linda. Porque ela era um pedaço de carne a atrair quem quer que fosse.
Não dormi naquela noite, esses questionamentos me vinham acompanhados de uma atividade cerebral tão grande que não me deixava pregar os olhos. Andei de um lado a outro a noite toda, incomodada porque a mesma coisa acontece na sociedade.
O homem sempre toma o papel de protagonista e mesmo em sua história, a mulher interpreta uma reles coadjuvante. Enquanto ele sai, ela tem que cuidar dos estudos. Enquanto ele se deita no sofá cercado de cerveja e salgadinhos, ela precisa deixar a casa “um brinco”. Enquanto ele vai à pelada, ela precisa ficar em casa e estar pronta para servi-lo quando ele voltar. Enquanto ele se especializa por cinco anos, ela precisaria de dez para tentar ganhar o mesmo que ele.
Ela, desde pequena, tinha um roteiro pronto a seguir e não poderia simplesmente tomar as rédeas da própria história. Claro que não, seria imoral! Que seria dela sem um homem? Sem seus filhos e sua casa? Mesmo que fosse médica e descobrisse a cura para as mais infames mazelas, que valeria de seu ventre se não tivesse gerado uma vida? Ainda que fosse juíza e julgasse o mais pervertido dos criminosos, que seria de seus seios se não estivessem prontos a satisfazerem o macho que a aguardava em casa?
Meus pensamentos foram subitamente interrompidos pelo baque surdo de um livro caindo. Era Fifi. Fifi é uma gatinha independente, eu a tenho desde que me mudei para esse apartamento, há cerca de dois anos. Manhosa como só ela, tem uma personalidade forte, concisa, sai quando quer, desbrava a vizinhança, mas sempre volta. Fifi me ensinou que não preciso prender ninguém por quem tenho apreço para que essa pessoa permaneça comigo, pelo contrário.




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