terça-feira, 15 de março de 2016

Kiko Monteiro: a arte sob a timidez

Dayanne Carvalho
Kiko Monteiro em seu quartinho de lembranças (Foto: Dayanne Carvalho)
Quando cheguei à casa de Kiko, o ambiente exalava arte. Acolhido pelas paredes que testemunharam as fases de sua vida, ele assistia ao programa Matador de Passarinho, uma produção que entrevista artistas do passado. Com a mesma intenção do programa, eu estava lá para entrevistar um grande artista que muita gente nem sabe que existe ou não conhece a fundo. Não houve entrevista. O que aconteceu naquela tarde foi muito mágico para caber nessa palavra.
Kiko Monteiro – como prefere ser chamado – é pai, cantor, jornalista, ator, cangaceirólogo e palhaço. É “quase que extremamente tímido”, mas é nas artes que isso se esvai. Filho de músico, ele soltou a voz e deixou sua marca em sete bandas: Imagem Virtual, Atividade, Toque Musical, Revelações, Corações e Mentes, Uns Bossais e Los Guaranis. Iniciou na música cantando em comícios e bailes, mas é no barzinho, lugar onde canta atualmente, que ele se encontrou como cantor.
A carreira na música surgiu em 1996, mas a vida artística de Kiko começou a ser moldada ainda na infância. Diferente das outras crianças, tinha como herói o palhaço de circo. Transformou a ficção em seu primeiro sonho e aos 12 anos começou a concretizá-lo. Numa relação entre ficção, utopia e realidade, o garotinho se tornou seu próprio herói, alcançando o que, geralmente, é inatingível e executando seu próprio sonho. “Vamos ilustrar a conversa”, comenta ele ao me trazer um álbum de fotos da época em que era palhaço. Com roupas e esquetes produzidos por ele mesmo, as apresentações começaram no quintal de sua casa e só aos 17 anos é que ele pôde dar um breve adeus à sua mãe que, de coração partido, o viu sair de casa em 1995. Tendo como principal referência o palhaço chileno Xupetin (Oscar Espínola), ele diz: “Fui experimentar o circo, beber água do circo.”.
Seis meses depois, Kiko deixou o picadeiro, mas continuou atuando como palhaço em festas de aniversário. Foi fazendo a animação de festas com esquetes do circo que o teatro surgiu na vida de Kiko. Ivilmar Gonçalves, um dos seus grandes amigos, o convidou para participar da peça A peleja de Valentim contra a morte pelo amor de Manuela e mesmo sendo resistente a levar o palhaço para o teatro, conseguiu encantar diferentes públicos com seus quatro esquetes incorporados. Kiko se transformava no variado Berimbelo fazendo com que o público e o palhaço se tornassem um só nas noites teatrais. “A gente se transforma, a gente perde toda a timidez.”, diz ele emocionado. O palhaço que fez com que ele hesitasse em se apresentar foi o mesmo que o levou ao cinema. Entre passos pela plateia, ele saiu do circo, entrou no teatro e estourou no cinema fazendo o Douglas no filme A Pelada. “Eu me sinto com muito orgulho de ter um pai tão talentoso.”, diz sua filha, Letícia Monteiro, que ainda completa: “Me sinto uma mini cópia dele.”.
Para ilustrar o encontro entre memória e atualidade, ele trouxe outro elemento para a conversa: um livro sobre o Circo Nerino. Segundo ele, não tem como não chorar porque ele também vê um pouco de sua própria história. “Dá uma saudade retada. Era uma época que eu queria ter vivido.”. Kiko não chorou, mas deixou escapar risos tímidos e olhares brilhantes ao folhear as páginas. “Quando eu vi esse livro, eu falei: ‘caramba! Preciso voltar, preciso voltar.’ Dá saudade de pintar o rosto.”, diz o apaixonado pelo tradicionalismo circense.
Todos os elementos do palhaço de Kiko estão em um baú que fica guardado no que ele chama de “gabinete da memória”. Se a sala pulsava arte, esse pequeno quartinho emanava memórias. Em toda parte havia um pedaço da vida de Kiko, seja ela artística ou não. Havia infância nos brinquedos, adolescência nos LPs e cadernos de poesia, um homem no palhaço e um cangaceirólogo na biblioteca especializada e nas manchetes sobre Lampião que estavam pregadas na parede azul.
Kiko Monteiro caminhou pelo passado, trouxe algumas coisas para o presente e as projetou no futuro. Entre sorrisos tímidos, ele mostrou ser alguém que sente, guarda e convive o tempo todo com os botões das suas memórias. Na fusão entre o som da rua e dos passarinhos, falou e provou que é arte. Numa tarde de sábado, eu vi que a arte não para em Kiko e ele sem ela, não vive.

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