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Por: Guilherme Almeida
O Não Pago é um movimento que classifica-se como independente, porém segue alguns ideias
anarquistas, como a horizontalidade – ausência de hierarquia – e a luta
contra os princípios fascistas e capitalistas.
Em
janeiro deste ano completaram cinco anos de existência. Para saber um pouco
mais sobre esta organização, fui entrevistar um de seus integrantes. A pedido
do entrevistado, não mencionarei seu nome.
Por
que se integrou ao movimento?
Sou uma pessoa que
desde cedo já convivi com isso, com essa indignação. E vi dentro do Não Pago
uma oportunidade de me organizar junto de pessoas que pensavam como eu. Apesar
de ter pessoas que integravam partidos dentro daquele ambiente não havia
nenhuma tentativa de cooptação, de tentar puxar. Lá o pessoal é bem horizontal
mesmo, bem focado na luta. Esse foi um dos principais motivos. Acho difícil encontrar hoje em dia uma luta
que não seja ligada a um movimento partidário.
Quais
suas principais lutas?
A pauta
fundamental do movimento é o transporte público de qualidade e gratuito, pois é
um dos problemas mais concretos, mais presentes em nossa realidade. O primeiro
passo seria derrubada das grandes máfias do transporte que existem no Brasil
inteiro. É um dos setores que mais movimentam dinheiro. Quantias bilionárias em
alguns estados como São Paulo.
Além disso, o
transporte público é o que há de mais gritante, onde se concentra toda a
hipocrisia do sistema. Qualquer pessoa sem formação política se parar pra
analisar por alguns minutos, vai ter o que refutar. As planilhas de custo aqui
de Aracaju são da década de 1980 e ainda entram custos de coisas que nem
existem mais, como imposto de câmara de ar – não existe mais ônibus com câmara
de ar. Eles fazem a contagem do número de funcionários em cima do número de
ônibus e não fazem a diferenciação de ônibus que precisa de cobrador e ônibus
que não precisa.
Quais
as principais dificuldades enfrentadas?
As principais
dificuldades são a repressão e a mídia. Os grandes meios de comunicação daqui
pertencem às pessoas que estão no governo. Pode não ser de forma direta, mas de
forma indireta existe uma grande coligação, e o que passa é o que é de
interesse desses governantes. As mídias independentes ainda reproduzem exatamente
o que a gente fala, mas em geral costumam distorcer muito. Às vezes damos 20
minutos de entrevista e colocam cinco segundos de nossa fala e cinco minutos
dos que são contrários. Isso acaba influenciando a população contra o
movimento.
Porém,
a mídia não é o único obstáculo que precisam enfrentar. Cita um caso em que em
durante as manifestações, depararam-se com um policial a paisana queos ameaçou
afirmando que dentro do ato estavam protegidos, mas sabia onde eles moravam.
Aqui em Sergipe a gente
vem sofrendo uma repressão muito grande. Perseguição mesmo. Ameaça. O medo é
bem latente. Tanto que nem colocamos os nossos nomes nas entrevistas, apesar de
provavelmente já estarem lá.
Pode
citar algumas conquistas?
Em 2013 tivemos
uma conquista bem considerável na jornada de junho que foi o recuo da passagem
de R$2,35 pra R$2,25 - durante quatro dias [risos]. Infelizmente, como foi
levado ao STF pelas empresas de ônibus, essa redução foi suspensa. Acho que foi
a primeira grande vitória do movimento. Em janeiro completamos 5 anos de
atuação. Mas temos muitas outras de pequeno porte, como a discussão do
transporte público no plano de mobilidade urbana; as audiências que foram
puxadas pelo MP, muitos processos que correm – que já tem anos que já estão
correndo – e a gente só está esperando. Muitas conquistas aos poucos, não só na
rua. Mas a gente ainda entende que o movimento na rua é o principal. Até por
conta dessa luta jurídica, sempre acreditamos que vai chegar o momento em que
eles vão, querendo ou não, recuar as conquistas. Aí, só na rua mesmo a gente
acredita que vai conseguir mudar alguma coisa.
O
movimento tem crescido muito em Sergipe?
Durante esses
cinco anos cresceu bastante o número de militantes orgânicos que são aqueles
que militam diariamente com a gente, estão construindo diariamente.
Em
relação ao apoio da população, como se dá essa relação?
Depende muito.
Durante muito tempo fomos tirados por ter ações muito radicais dentro do
movimento, como o uso de pichação, trancamento de via, coisas que incomodam um
pouco a população, mas das quais nos utilizamos para ganharmos um pouco mais de
visibilidade. Mas durante esse último processo do reajuste da passagem, a
população estava apoiando muito a gente. Muito mesmo. É difícil achar alguém
que seja a favor do aumento da passagem. Mas como falei antes, a mídia tenta
nos colocar como um movimento de baderna, que só está lá para depredar, formado
por vândalos etc. Isso também coopera um pouco em relação à violência da
polícia.
Como
se deu seu contato com o anarquismo?
Sempre fui
independente, sou do movimento anarco-punk. Conheci através de protesto de rua.
Eu estava na época da formação do Não Pago, nos primeiros momentos. Me afastei
durante um tempo, fui morar fora, mas sempre conheci, sempre estive na luta.
Quando
exatamente se deu esse contato?
Meu pai era de um
movimento Skinhead em São Paulo. Mas eu sempre trouxe comigo essa ideia de
desconstrução e avaliei muito do movimento que ele participava e acabei tomando
outro rumo. Acho que a maior guerra que existe entre movimentos é entre o
movimento “skin” e o punk de subúrbio. Acabei pendendo pra este movimento
mesmo.
O movimento anarquista tem
crescido muito em Sergipe?
Existem
coletivos, mas aqui é muito recente.São movimentos mais ligados a cultura. Tem
um cara chamado Silvio, ele é vocalista de uma banda punk, a KarneKrua (confira aqui). Ele já tem 30 anos de estrada aqui dentro do
movimento. Mas hoje em dia está bem restrito, tem poucas pessoas. Agora que
está voltando a crescer. Percebi uma implementação dentro de universidades,
setores autogestionados. A galera tá começando a se interessar muito por isso.
Tá crescendo o movimento. Existe o coletivo anarquista aqui. Eles são bem
fechados por enquanto. Existe as construções de gig’s - que são as festas punks
- e grupos de estudos esporádicos. Grupos que se formam durante um determinado
tempo e se dissolvem... E se formam de novo. Aparecem novos integrantes.
Existem muitas pessoas que se julgam anarquistas, mas que nunca tiveram um
contato teórico e acabam levando para aquela ideia de destruição e agora estão
começando a ter um contato, a se organizar.
Como integrante do
Anarco-punk, gostaria que discorresse um pouco sobre essa vertente dentro do próprio movimento punk.
O
movimento anarco-punk é na verdade um movimento mundial que é o grito da rua
mesmo, que vem do subúrbio. Não é um movimento que se organiza em coletivos,
acho que você pode considerar mais como uma tribo urbana. E a luta é contra tudo
o que é imposto pelo Estado, toda forma de coerção que você possa imaginar. É muito
forte no meio cultural hardcore. No Brasil foi muito forte nos anos 80 e 90. A luta
feminista é muito forte dentro do movimento. E através da contracultura,
busca-se desenvolver formas que contornem o sistema, como a produção de fanzines,
de documentários voltados a essa questão, produção de textos. O movimento aqui
está começando a se reestruturar agora. A pauta que está mais em evidência
atualmente é a luta antifascista, uma luta antiga que não é só pautada pelo
movimento anarco-punk. É voltada a toda galera de esquerda, mas quem puxa as
lutas é o movimento punk mesmo.
Quais as principais
dificuldades em se manter anarquista dentro do atual sistema?
Só
por que você luta contra uma coisa não quer dizer que seja burro o suficiente
pra não conseguir sobreviver dentro do sistema. Querendo ou não a gente tem que
sobreviver dentro do sistema, tanto é que faço faculdade. Eu gosto da profissão
que escolhi, requer uma certa seriedade no curso que eu toco [enfermagem]. Tipo
o voto. Eu vou lá e voto nulo pra não ter que pagar. Se eu não fizer isso eu
não posso fazer nada. São coisas que realmente são questões de sobrevivência.
Se houvesse uma maneira de não fazer, eu não faria. Querendo ou não, estando
dentro de uma universidade - um espaço de luta - faz com que eu tenha voz pra
lutar contra isso. O sistema é tão burro que me ajuda a lutar contra ele.
Muitos classificam
a anarquia como desordem. Fale um pouco sobre isso
Pelo
contrário, nosso símbolo mais conhecido é o “A” dentro do círculo. Um símbolo
que veio de Proudhon que significa: Anarquia é ordem. Existem vários sistemas
anarquistas, mas eu entendo o anarquismo como o fim de toda coerção. Não quer dizer que dentro de um sistema
anarquista não vai existir ordem, não vai existir lei. As leis do sistema que
vivemos são voltadas às maiorias e não à todos, e dentro de um sistema
anarquista seriam leis voltadas para todos.
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