segunda-feira, 14 de março de 2016

Entrevista com integrante do movimento Não Pago


Imagem ilustrativa
















Por: Guilherme Almeida

O Não Pago é um movimento que classifica-se como independente, porém segue alguns ideias
 anarquistas, como a horizontalidade – ausência de hierarquia – e a luta contra os princípios fascistas e capitalistas.
Em janeiro deste ano completaram cinco anos de existência. Para saber um pouco mais sobre esta organização, fui entrevistar um de seus integrantes. A pedido do entrevistado, não mencionarei seu nome.

Por que se integrou ao movimento?

Sou uma pessoa que desde cedo já convivi com isso, com essa indignação. E vi dentro do Não Pago uma oportunidade de me organizar junto de pessoas que pensavam como eu. Apesar de ter pessoas que integravam partidos dentro daquele ambiente não havia nenhuma tentativa de cooptação, de tentar puxar. Lá o pessoal é bem horizontal mesmo, bem focado na luta. Esse foi um dos principais motivos.  Acho difícil encontrar hoje em dia uma luta que não seja ligada a um movimento partidário.

Quais suas principais lutas?

A pauta fundamental do movimento é o transporte público de qualidade e gratuito, pois é um dos problemas mais concretos, mais presentes em nossa realidade. O primeiro passo seria derrubada das grandes máfias do transporte que existem no Brasil inteiro. É um dos setores que mais movimentam dinheiro. Quantias bilionárias em alguns estados como São Paulo.
Além disso, o transporte público é o que há de mais gritante, onde se concentra toda a hipocrisia do sistema. Qualquer pessoa sem formação política se parar pra analisar por alguns minutos, vai ter o que refutar. As planilhas de custo aqui de Aracaju são da década de 1980 e ainda entram custos de coisas que nem existem mais, como imposto de câmara de ar – não existe mais ônibus com câmara de ar. Eles fazem a contagem do número de funcionários em cima do número de ônibus e não fazem a diferenciação de ônibus que precisa de cobrador e ônibus que não precisa.

Quais as principais dificuldades enfrentadas?

As principais dificuldades são a repressão e a mídia. Os grandes meios de comunicação daqui pertencem às pessoas que estão no governo. Pode não ser de forma direta, mas de forma indireta existe uma grande coligação, e o que passa é o que é de interesse desses governantes. As mídias independentes ainda reproduzem exatamente o que a gente fala, mas em geral costumam distorcer muito. Às vezes damos 20 minutos de entrevista e colocam cinco segundos de nossa fala e cinco minutos dos que são contrários. Isso acaba influenciando a população contra o movimento.

Porém, a mídia não é o único obstáculo que precisam enfrentar. Cita um caso em que em durante as manifestações, depararam-se com um policial a paisana queos ameaçou afirmando que dentro do ato estavam protegidos, mas sabia onde eles moravam.

Aqui em Sergipe a gente vem sofrendo uma repressão muito grande. Perseguição mesmo. Ameaça. O medo é bem latente. Tanto que nem colocamos os nossos nomes nas entrevistas, apesar de provavelmente já estarem lá. 

Pode citar algumas conquistas?

Em 2013 tivemos uma conquista bem considerável na jornada de junho que foi o recuo da passagem de R$2,35 pra R$2,25 - durante quatro dias [risos]. Infelizmente, como foi levado ao STF pelas empresas de ônibus, essa redução foi suspensa. Acho que foi a primeira grande vitória do movimento. Em janeiro completamos 5 anos de atuação. Mas temos muitas outras de pequeno porte, como a discussão do transporte público no plano de mobilidade urbana; as audiências que foram puxadas pelo MP, muitos processos que correm – que já tem anos que já estão correndo – e a gente só está esperando. Muitas conquistas aos poucos, não só na rua. Mas a gente ainda entende que o movimento na rua é o principal. Até por conta dessa luta jurídica, sempre acreditamos que vai chegar o momento em que eles vão, querendo ou não, recuar as conquistas. Aí, só na rua mesmo a gente acredita que vai conseguir mudar alguma coisa.

O movimento tem crescido muito em Sergipe?

Durante esses cinco anos cresceu bastante o número de militantes orgânicos que são aqueles que militam diariamente com a gente, estão construindo diariamente.

Em relação ao apoio da população, como se dá essa relação?

Depende muito. Durante muito tempo fomos tirados por ter ações muito radicais dentro do movimento, como o uso de pichação, trancamento de via, coisas que incomodam um pouco a população, mas das quais nos utilizamos para ganharmos um pouco mais de visibilidade. Mas durante esse último processo do reajuste da passagem, a população estava apoiando muito a gente. Muito mesmo. É difícil achar alguém que seja a favor do aumento da passagem. Mas como falei antes, a mídia tenta nos colocar como um movimento de baderna, que só está lá para depredar, formado por vândalos etc. Isso também coopera um pouco em relação à violência da polícia.

Como se deu seu contato com o anarquismo?

Sempre fui independente, sou do movimento anarco-punk. Conheci através de protesto de rua. Eu estava na época da formação do Não Pago, nos primeiros momentos. Me afastei durante um tempo, fui morar fora, mas sempre conheci, sempre estive na luta.

Quando exatamente se deu esse contato?

Meu pai era de um movimento Skinhead em São Paulo. Mas eu sempre trouxe comigo essa ideia de desconstrução e avaliei muito do movimento que ele participava e acabei tomando outro rumo. Acho que a maior guerra que existe entre movimentos é entre o movimento “skin” e o punk de subúrbio. Acabei pendendo pra este movimento mesmo.

O movimento anarquista tem crescido muito em Sergipe?

Existem coletivos, mas aqui é muito recente.São movimentos mais ligados a cultura. Tem um cara chamado Silvio, ele é vocalista de uma banda punk, a KarneKrua (confira aqui).  Ele já tem 30 anos de estrada aqui dentro do movimento. Mas hoje em dia está bem restrito, tem poucas pessoas. Agora que está voltando a crescer. Percebi uma implementação dentro de universidades, setores autogestionados. A galera tá começando a se interessar muito por isso. Tá crescendo o movimento. Existe o coletivo anarquista aqui. Eles são bem fechados por enquanto. Existe as construções de gig’s - que são as festas punks - e grupos de estudos esporádicos. Grupos que se formam durante um determinado tempo e se dissolvem... E se formam de novo. Aparecem novos integrantes. Existem muitas pessoas que se julgam anarquistas, mas que nunca tiveram um contato teórico e acabam levando para aquela ideia de destruição e agora estão começando a ter um contato, a se organizar.

Como integrante do Anarco-punk, gostaria que discorresse um pouco sobre essa vertente dentro do próprio movimento punk.

O movimento anarco-punk é na verdade um movimento mundial que é o grito da rua mesmo, que vem do subúrbio. Não é um movimento que se organiza em coletivos, acho que você pode considerar mais como uma tribo urbana. E a luta é contra tudo o que é imposto pelo Estado, toda forma de coerção que você possa imaginar. É muito forte no meio cultural hardcore. No Brasil foi muito forte nos anos 80 e 90. A luta feminista é muito forte dentro do movimento. E através da contracultura, busca-se desenvolver formas que contornem o sistema, como a produção de fanzines, de documentários voltados a essa questão, produção de textos. O movimento aqui está começando a se reestruturar agora. A pauta que está mais em evidência atualmente é a luta antifascista, uma luta antiga que não é só pautada pelo movimento anarco-punk. É voltada a toda galera de esquerda, mas quem puxa as lutas é o movimento punk mesmo.

Quais as principais dificuldades em se manter anarquista dentro do atual sistema?

Só por que você luta contra uma coisa não quer dizer que seja burro o suficiente pra não conseguir sobreviver dentro do sistema. Querendo ou não a gente tem que sobreviver dentro do sistema, tanto é que faço faculdade. Eu gosto da profissão que escolhi, requer uma certa seriedade no curso que eu toco [enfermagem]. Tipo o voto. Eu vou lá e voto nulo pra não ter que pagar. Se eu não fizer isso eu não posso fazer nada. São coisas que realmente são questões de sobrevivência. Se houvesse uma maneira de não fazer, eu não faria. Querendo ou não, estando dentro de uma universidade - um espaço de luta - faz com que eu tenha voz pra lutar contra isso. O sistema é tão burro que me ajuda a lutar contra ele.

Muitos classificam a anarquia como desordem. Fale um pouco sobre isso

Pelo contrário, nosso símbolo mais conhecido é o “A” dentro do círculo. Um símbolo que veio de Proudhon que significa: Anarquia é ordem. Existem vários sistemas anarquistas, mas eu entendo o anarquismo como o fim de toda coerção.  Não quer dizer que dentro de um sistema anarquista não vai existir ordem, não vai existir lei. As leis do sistema que vivemos são voltadas às maiorias e não à todos, e dentro de um sistema anarquista seriam leis voltadas para todos.


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