Uma mulher no
meio de uma família de muitas mulheres. A avó teve cinco filhas. A mãe, quatro.
A feminilidade presente durante toda a vida se mostra também no rosto, no batom
vermelho que usa nos lábios, na tatuagem de coração que carrega no braço e nos
acessórios que se comunicam com o resto. Antes de encontrá-la, sou encontrado.
Diane Veloso me recepciona fora de casa, preocupada se eu acertaria o caminho.
Recebo um abraço e sou convidado a entrar. Chego e me deparo com a família na
sala, o marido e a mãe, que também me cumprimentam. A vontade de conhecer a
história da mulher que já acompanho nos palcos me deu a audácia de não preparar
nenhuma entrevista e desenvolver uma conversa com uma das artistas mais
influentes do cenário sergipano atual.
Logo de
início, pergunto à Diane Veloso, dona de um currículo extenso e de uma vida
voltada para a arte, quando tudo começou. Suas primeiras lembranças partem da
infância, quando fazia dança. “O que mais me atraía na dança era a
possibilidade de ir ao teatro. No final do ano, ir dançar no teatro”, conta.
Ela comenta como sempre gostou de montar pequenas peças, mesmo nunca tendo
assistido outras. A falta de oportunidades ou cursos efetivos em Sergipe, fizeram
com que o seu contato verdadeiro com o teatro surgisse em Maceió. Foi nas aulas
de arte que Diane começou a estudar, de fato, teatro e a se apaixonar pelo que
mais tarde, se configuraria como a profissão ideal.
Com o tempo, surge sua primeira companhia de teatro, a Deu Branco, que
antecipa sua entrada na Kumpanya dos Duendes. É nessa última que a
oportunidade de atuar em Bodas de Sangue, texto de Federico García Lorca, em um
projeto desenvolvido por Raimundo Venâncio e Sidnei Cruz, se concretiza. A peça
representou a retomada de uma fase mais contemporânea do teatro sergipano,
mesmo envolvendo elementos da cultura popular.
O Caixa
Cênica, grupo atual de Diane, surge nesse período, há 13 anos.
Produto da necessidade de estudar de forma mais densa o teatro contemporâneo, a
companhia é responsável pela peça que se tornou referência não só regional,
como nacional. Respire
e Conte até 10, desenvolvido por Diane e Leandro Goddinho, é um
trabalho inspirado nas obras de Marcelino Freire que demorou mais de um ano para
ser montado e se tornou um sucesso, marcando a história da companhia.
Quando começa
a falar sobre sua participação no CHAMA – Consenso Humanitário para Arte e
Movimento em Aracaju – que era voltado para a arte na rua, somos interrompidos:
“Agora começa a parte boa”, comenta Alex Santana, marido de Diane e um dos
nomes mais conhecidos na música sergipana. A proposta de trabalharem juntos se
concretiza quando Diane começa a fazer intervenções nos shows de Alex. É aí, em
2002, que o namoro começa e que o amor não acaba. Agora, em 2015, o casal ainda
parece estar nos primeiros meses de namoro, transparecendo uma conexão forte,
dentro e fora dos palcos.
Logo após, o envolvimento do teatro com a música aparece. A Banda dos Corações Partidos surge
depois de uma série de experimentos e até mesmo decepções. Diane conta que os
primeiros shows foram extremamente complicados, principalmente pela falta de
técnica. “Eu não sou uma cantora. Na verdade eu sou uma atriz”, comenta. Mas é
justamente pelo contato com o teatro que a banda desenvolve seu trabalho com
maestria, hoje em dia. A linha tênue entre o cômico e o trágico apresenta ao
público o melodrama, existente nas canções que não são somente cantadas, mas
interpretadas. O experimento faz com que o público também experimente a beleza,
a sutileza, a poesia e a sonoridade da banda que já tem um CD lançado e
trabalha em um novo projeto agora.
Seu primeiro longa-metragem veio com Orquestra dos Meninos,
do cineasta Paulo Thiago. Diane se diverte com a lembrança: “Eu sou uma metida.
Metida de me meter”. Ela me conta como foi ser a primeira atriz a definir
personagem, logo quando abordada. Além disso, o filme permitiu que Diane se
aventurasse em outras áreas, como a produção de elenco, processo que apesar das
dificuldades, garantiu muita experiência para a atriz como profissional.
Depois de um tempo, surge seu primeiro curta-metragem, Para Leopoldina.
Inspirado na história de vida de sua tia avó e construção diária do mundo que
observava ao seu redor, a história contada é a de Lúcia, uma mulher que
escrevia cartas para os idosos como se fosse parente deles. “Eu trabalho muito
com a necessidade. Eu tinha necessidade de contar essa história”, comenta.
Durante nossa
conversa, diversas pessoas que passaram e continuam na vida de Diane ganham
vida e se tornam personagens diante dos meus olhos. Sem perceber, a atriz
começa a imitar vozes, gestos e feições das pessoas que conheceu. Aos poucos,
vejo-me, novamente, na plateia de um espetáculo que existe diariamente na vida
de uma artista que não se desliga, que se confunde com a mulher e que se torna
uma, indivisível e irreparável.
Em meio a tudo que já fez, para Diane não é possível classificar seu
trabalho favorito porque sempre se envolve bastante com tudo que faz. O
programa Olha
aí é um exemplo disso. Considerado uma produção de importância
pessoal, e até mesmo histórica no cenário audiovisual sergipano, o programa aos
poucos firmou seu espaço na televisão. A dificuldade em produzir um conteúdo de
massa ao abordar temas específicos foi superada quando Diane se deu conta de
como o programa ficou popular. O caixa do supermercado, a vizinha de cima, um
escritor que a reconhece no meio da rua, representam o público cativo e diverso
que foi conquistado.
Diane Veloso é
uma artista completa, o que não significa dizer que já tenha feito tudo o que
pode fazer. As múltiplas faces da mulher que encarna o palco e o carrega para
onde vai refletem em cada trabalho que faz. “Eu me dei essa oportunidade de
fazer coisas que eu sou muito apaixonada. Claro, eu pago um preço caríssimo por
isso, muito alto. Mas, é isso. É a minha natureza”, declara. Natureza de
artista indomável, de uma mulher que media sentimentos e os transforma em
poesia, seja atuando, cantando, apresentando. Diane Veloso é o exemplo de alguém
que vê na arte seu poder transformador. Alguém que, a essa altura, já consegue
até mesmo segurar o sensível nas mãos e não deixar que a loucura do dia-a-dia o
atropele. Diane é uma artista que respeita o palco onde pisa e o
carrega na pele, no peito. O palco que, para quem está na plateia, já
existe dentro dela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário